segunda-feira, 7 de junho de 2010

Sobreendividamento das famílias

Definição do fenómeno

O fenómeno do sobreendividamento assenta essencialmente na crescente oferta de produtos e serviços, devido à galopante e cada vez mais acirrada concorrência empresarial, entre fabricantes e comerciantes, o que leva as empresas a recorrem a profissionais especializados em técnicas de marketing, ao passo que as entidades financeiras facilitam cada vez mais o acesso ao crédito, vindo desta forma a influenciar o crescimento do fenómeno, já que, não se olha a meios para conquistar novos clientes e o mercado em geral. Por outro lado, nos últimos anos, uma grande parte da população tornou-se consumista, revelando alguma falta de gestão e controlo do orçamento familiar.

Causas do sobreendividamento

O principal motivo que leva as pessoas a deixar de pagar ou a estarem na eminência de o fazer foi a insuficiência de rendimentos (33,7%). A insuficiência de rendimentos compreende a insuficiência de rendimentos propriamente dita, os salários em atraso e a frustração na obtenção de melhores salários. Em segundo lugar, surgem os problemas de saúde (18,2%), seguidos dos casos de desemprego, englobando o desemprego, de um dos elementos do casal ou de ambos (14,6%). Assumem também alguma importância as situações onde ocorre uma alteração no agregado familiar (sobretudo por divórcio ou morte) que origina uma quebra nas fontes de rendimento (12,8%). Vemos, assim, que a escassez de rendimentos aliada à instabilidade no emprego e à doença constituem os elementos perturbadores do cumprimento regular dos compromissos financeiros das famílias.

História Verídica

Inês e Gustavo, casados, ambos com 54 anos, com dois filhos maiores
profissão dela: assistente administrativa
profissão dele: electricista
rendimento líquido fixo mensal: 1.147,24 € (230.000$)
rendimento variável mensal: 598,56 € (120.000$)

créditos contraídos: crédito hipotecário para aquisição de habitação própria, dois créditos pessoais para pagamento de dívidas e aquisição de bens de consumo, um crédito contraído junto de um particular para o pagamento de dívidas.
capital em dívida: 141.159,80 € (28.300.000$) encargos mensais com instituições financeiras: 1.493,40 € (299.400$) outros encargos mensais estimados pelos próprios: 773,14 € (155.000$).

Caracterização do(s) devedores: Gustavo e Inês, ambos de 54 anos, são casados e têm dois filhos maiores. Gustavo é electricista e Inês é assistente administrativa de uma Universidade pública. Possuem vários créditos, um destinado à aquisição da sua habitação, um crédito pessoal para aquisição de vários bens de consumo, um crédito pessoal destinado ao pagamento de dívidas e, ainda, um crédito contraído junto de um particular, para saldar algumas dívidas.

Rendimento

O casal tem um rendimento líquido fixo mensal de 1.147,24 € (230.000$), auferem rendimentos variáveis, mas previsíveis, no valor mensal médio de 598,56 € (120.000$) que derivam, entre outras coisas, do arrendamento do imóvel do qual são proprietários. O montante mensal das prestações bancárias (1.493,40 €/299.400$), acrescido de outros encargos mensais, representa mais do que o rendimento total do casal. Para Inês, este facto obriga-a a “ter de trabalhar constantemente para conseguir alimentar o seu [sobre]endividamento, fazendo comida para fora”.

Origem do endividamento

Tabela 1

No momento em que esta entrevista foi realizada, Inês encontrava-se um pouco confusa e com algumas dificuldades em explicar o processo que levou o casal à situação actual. O endividamento desta família deve-se ao facto de Inês e Gustavo terem contraído alguns empréstimos para a aquisição de uma habitação e de bens de consumo, nomeadamente electrodomésticos e mobiliário.
Porém, Inês contraiu um empréstimo junto de um particular seu amigo (9.975,96 €/2.000.000$), para “realizar um sonho de vida e investir num restaurante”. Inês cozinha há vários anos para fora. Em 1997, fizeram-lhe uma proposta para cozinhar e gerir um restaurante. Assim, tirou uma licença sem vencimento até 1998. No entanto, o negócio não correu bem e Inês ficou desempregada durante meio ano, com três empréstimos a cargo do rendimento do agregado familiar, que passou a contar só com o ordenado de Gustavo: um crédito à habitação, cuja prestação mensal era de 448,92 € (90.000$), um crédito para aquisição de um computador e o crédito contraído junto do particular. Para além destes encargos, o casal tem dois filhos que na altura ainda estudavam e estavam a seu cargo.
A escassez de rendimento levou Gustavo e Inês a venderem o seu apartamento e a comprarem outro um pouco mais barato. Os filhos deixaram de estudar para poderem ajudar os pais e Inês, até voltar ao seu posto de trabalho na função pública, confeccionava comida para fora. Com o produto da venda do primeiro imóvel liquidaram o crédito à habitação, pagaram o crédito destinado à aquisição do computador e pagaram metade do empréstimo que tinham junto do particular.
Com o regresso de Inês ao seu trabalho, o casal foi conseguindo cumprir os seus compromissos de crédito, a ponto de contrair um novo crédito à habitação, este com uma prestação mensal de 862,92 € (173.000$).
Mais tarde, Inês pediu novamente uma licença sem vencimento (1999-final de 2000) para regressar à hotelaria, na qual auferia 748,20 € (150.000$).
Na instituição bancária onde toda a família tinha sediada as suas contas-ordenado, o casal contraiu um crédito pessoal (17.457,93 €/3.500.000$) ao qual ficou agregado um seguro de protecção do ordenado.
Com a falência do restaurante onde cozinhava, Inês esteve sem trabalhar durante 9 meses. Tendo accionado o seguro de protecção do ordenado, não obteve até agora qualquer resposta. Isso levou o casal a arrendar o imóvel de que são proprietários, por 598,56 € (120.000$). Por sua vez, arrendaram para si um apartamento mais barato 448,92 €/90.000$) para poderem pagar, pelo menos, a prestação relativa ao crédito à habitação.


Incumprimento

O incumprimento em relação a algumas das prestações bancárias surgiu a partir do momento em que Inês ficou desempregada. A falta de pagamento de uma das prestações devidas a uma das instituições financeiras, levou esta a participar ao Banco de Portugal a situação e, neste momento, Gustavo e Inês são considerados clientes de risco.
Por outro lado, ainda não conseguiram devolver o dinheiro que solicitaram ao particular.
Situação actual do devedor:
Trata-se de um agregado familiar com um elevado nível de endividamento, e que geriu mal os seus empréstimos.
O desequilíbrio orçamental do agregado levou os filhos a deixar de estudar e a começar a trabalhar para poderem auxiliar os pais.

O Endividamento das Famílias Portuguesas

Algumas vezes falam do endividamento externo, outras da inflação, talvez até mesmo da baixa produtividade, mas o mais frequentemente mesmo é criticar-se o governo pelo crescimento no endividamento das famílias.
De facto, o valor desse endividamento cresceu muito significativamente nos últimos anos.
Esta semana proponho-me analisar esta questão um pouco mais aprofundadamente. Será o problema do endividamento das famílias portuguesas muito grave? Será que é mesmo um problema?
Na realidade o nível de endividamento das famílias subiu muito na Segunda metade da década de 90. Chegou mesmo aos 90% do rendimento disponível das famílias já neste ano de 2000 e há quem preveja que chegue aos 100% no ano 2001.
Quer isto dizer que o total das dívidas das famílias portuguesas é quase igual ao que essas mesmas famílias ganham por ano.
Podemos exagerar esta questão afirmando que precisaríamos de trabalhar durante um ano inteiro só para pagar estas dívidas, sem comer, nem gastar dinheiro em nada mais.
Também podemos analisá-la de forma mais racional para podermos concluir se as famílias estão ou não sobreendividadas.
Como é moda desde que entrámos na União Europeia a primeira análise consiste em compararmos com o que se passa no resto da Europa.
De facto, o nível de endividamento das famílias portuguesas com este crescimento súbito chegou aos níveis dos outros países europeus, que já lá estavam à vários anos casos da Alemanha, da Inglaterra e até mesmo da Espanha.
A análise seguinte, tal como faríamos com uma empresa consiste em verificarmos se as famílias portuguesas têm capacidade para pagar os juros desta dívida.
Na realidade o peso dos juros no rendimento disponível das famílias baixou para os níveis dos outros países europeus. Actualmente os juros representam 8% do rendimento disponível das famílias. Isto é, do dinheiro que levam para casa durante o ano, as famílias gastam 8% para pagar os juros das suas dívidas. Este valor coloca-nos na média europeia e estamos mesmo abaixo dos holandeses, por exemplo.
O que se passou foi que a capacidade de endividamento do país aumentou com a adesão ao euro e quem mais aproveitou foram as famílias que aumentaram o seu stock de bens duradouros: sobretudo habitação e automóveis. Os dados do Banco de Portugal sobre a composição do crédito concedido no país mostram isso mesmo: em 1980 as famílias representavam 10% dos empréstimos concedidos em Portugal e em 1999 representam 45%.
Mas voltemos à “vaca fria”: estarão as famílias portuguesas sobreendividadas? Ou poderão vir a aumentar ainda mais os seus níveis de endividamento?
Se fosse uma empresa, estaríamos a analisar o nível de solvabilidade da empresa (ou seja a relação entre passivo/dívidas e activo) e o nível de cobertura dos juros (a relação entre encargos financeiros e resultados correntes).
Já vimos que a segunda questão não é grave, nem é provável que venha a sê-lo. Mesmo que os juros subam mais, pelo facto de estarmos na zona euro, não é provável que venham a subir o suficiente para passarem muito dos 8% do rendimento disponível.

Após inquéritos realizados pela DECO podemos visualizar claramente na tabela seguinte, a origem das principais dívidas das famílias portuguesas.

Tabela 2 – Fonte: DECO - Dados do ano 2000

1 Todos os cálculos aqui apresentados foram realizados pelo Observatório do Endividamento dos Consumidores, a partir dos inquéritos realizados pela DECO.
2 Não foi possível saber se os consumidores potencialmente sobreendividados que foram enviados por alguns CIAC para a DECO chegaram a efectuar o contacto com essa Associação.

Estruturas sociais de apoio

A DECO – Defesa do Consumidor, dispõe de gabinete específico especializado na análise e aconselhamento aos associados e cidadãos em geral, sobre a problemática do sobreendividamento.
Existem ainda os Centros de Informação Autárquicos ao Consumidor – CIAC, os quais se encontram espalhados por todo o país.
Na maioria dos casos analisados, a DECO prestou aconselhamento e simultaneamente agiu como mediador junto das entidades credores, tendo conseguindo quase sempre a obtenção de um acordo. Contudo, não é possível saber se a partir dele o devedor conseguiu pagar regularmente as suas dívidas. De qualquer modo, é importante realçar a utilidade deste tipo de intervenção, o qual permite, sem grandes custos, obter resultados em tempo útil.

Reflexão

O sobreendividamento, no âmbito social, tem como causa a chamada “pobreza envergonhada”, o que leva um grande número de famílias portuguesas por vezes a não procurar ajuda atempadamente. Este processo tem normalmente consequências desastrosas para as mesmas, não apenas pelo acumulo das dívidas, como também tende ao seu agravamento.
A expressão popular “dar o passo maior do que a perna”, ilustra bem o problema de alguns cidadãos que não resistem à tentação do consumo desmesurado, levando-os a contrair dívidas acima das suas posses. Procurando desta forma satisfazer assim a frequentemente classificada “patologia” da obsessão compulsiva pelas compras.

Trabalho elaborado com base em pesquisa efectuada em estudo da UC para a DECO


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